sábado, 24 de abril de 2010

As Texas no Sertão


Foto ao lado: uma Texas manobrando no pátio de Vespasiano, nos anos 40.

Relatos colhidos com ferroviários e historiadores da região dão conta de que as duas primeiras Texas da Central foram adquiridas em 1938 e foram numeradas 1627 e 1628. Os dados sobre estas duas locos são insuficentes para determinar sua origem. Uma vez que nenhum documento da Central menciona essas locomotivas, não posso precisar sua origem ou mesmo a existência. Mas também não poderia deixar de mencionar o fato, uma vez que mais de uma pessoa mencionou sua existência na região onde as Texas circulavam. Assim, os dados técnico deste artigo dizem respeito às locomotivas do lote comprado em 1940, ou seja, das locomotivas da classe 300, pesando 174 toneladas, com 8.391,6 kg de esforço de tração. É interessante mencionar que as Santa Fé da Teresa Cristina, apesar de menores, desenvolviam 9.752,4 kg depois que foram equipadas com caldeiras Belpaire compradas na Argentina.
As Texas foram adquirido em 1940 num acordo firmado com a Baldwin e a ALCO, no qual resultou em locomotivas idênticas, com possibilidade de se intercambiar peças entre elas. Seu lote ficou assim dividido: a Baldwin forneceu 10 unidades, numeradas de 1651 a 1660; a ALCO forneceu 7 unidades, numeradas de 1661 a 1667. Todas elas tinham capacidade de tracionar 19 vagões, a 40 km/h, o que equivale a uma lotação de 1500 toneladas. Elas vieram desmontadas dos Estados Unidos, sendo montadas nas oficinas do Horto Florestal. Embora fosse ali seu Depósito, as que foram destacadas para a 12a Residência faziam manutenção leve e pesada nas oficinas de Sete Lagoas, onde uma delas chegou muito danificada após um acidente e, graças aos excelentes artífices da Central, retornou ao trilhos, quando se pensava em sua baixa, devido ao forte empeno no longeirão, que foi consertado a ferro e fogo.
Uma análise dos Boletins de Acidente Trem de 1952, revela que estavam lotadas na 12a Residência as Baldwin 1652, 1653, 1657, 1659 e 1660, além de todas as ALCO, de 1661 a 1667. Eram as máquinas que trafegavam entre o Horto Florestal e a região acima de Sete Lagoas, indo até Corinto, conforme indicam os mesmo Boletins de Acidente.
Na região do sertão ficaram conhecidas por tracionarem os famosos trens de gado, provenientes da região de Montes Claros. Estes trens geralmente chegavam a Sete Lagoas tracionados por Mikados ou Consolidations e, depois de unidos numa composição de, no máximo, 20 vagões, seguiam tracionados pelas Texas até o Horto Florestal, onde o gado era desembarcado nos currais para tomar água e se alimentar, sendo embarcado em seguida nos trens da bitola larga rumo aos matadouros do Rio de Janeiro e São Paulo.
Os trens mistos entre Sete Lagoas e Belo Horizonte, formados por três carros de passageiros, um correio-bagagem e, no máximo, dezesseis vagões de carga também foram tracionados pelas Texas. Partiam de Sete Lagoas às 05:00 horas da manhã e chegavam
na capital às 10:00 horas. Na volta, deixavam Belo Horizonte às 17:00 horas, chegando a Sete Lagoas às 22:00 horas.
No final de sua carreira na Central, as Texas chegaram a fazer os trens expressos de passageiros. O saudoso amigo José Augusto Neto relatou-me que os passageiros ficavam amedrontados com a velocidade do trem, receosos que ela pulasse fora dos trilhos, mas elas chegavam ao destino no horário previsto e sem maiores problemas.
Manobrá-las era uma dificuldade, uma vez que não havia girador que comportasse seus 26 metros de comprimento. Eram sempre viradas nos triângulos, e para isto se construiu um atrás da oficina de Sete Lagoas. Na eventualidade de seguirem além daquele ponto, havia a necessidade de se fazer a tração de ré, porque se fossem de frente, teriam que ir até Corinto para virar no triângulo daquela oficina. Esse tipo de procedimento causava muitos descarrilamentos do jogo de rodas radial, pois a linha do sertão sempre foi péssima (até hoje).
Naquela época, os dormentes eram muito espaçados, cerca de 60 ou 70 centímetros um do outro, além de serem roliços. Além disso, a pregação era deficiente, com dois pregos por dormente em cada trilho. Estes, por sinal eram muito antigos, havendo o caso de terem mais de 70 anos de uso, além de serem muito leves, do tipo 25 ou 37. Tudo isso resultava numa quadro assustador, com vários descarrilamentos na semana, havendo o caso de uma mesma locomotiva descarrilar três vezes seguida no mesmo dia (1661, em 20/12/52). Aliado a isto, tinha-se uma linha demasiadamente sinuosa, com curvas e mais curvas em “S”, como se pode verificar na região entre Capitão Eduardo e Sete Lagoas, onde o leito antigo cruza o atual num zigue-zague interminável.
Os acidentes tiveram início com a 1667, mas outras sofreram descarrilamentos mais sérios, como a 1666, que causou a morte do maquinista, do graxeiro e de um caroneiro da Central em Novembro de 1950, quando tracionava um trem no km 624, em Vespasiano. A causa apurada foi a deficiência na lubrificação. Diz-se que estas locomotivas consumiam cerca de 12 litros de óleo no trajeto entre Sete Lagoas e Belo Horizonte, mas o inspetor queria que consumissem a metade, daí que faltou óleo nas braçagens e houve o conseqüente puxão para o lado afetado.
Deste acidente temos comprovação da imprensa e do relato de José Augusto Neto, que naquele dia estava de passeio em Lagoa Santa e se dirigia a Vespasiano para apanhar o Misto procedente de Belo Horizonte. Em virtude da interrupção da linha, os trens atrasaram muitas horas e José Augusto pôde ir até o local do acidente.
Não se sabe muito sobre a atuação destas locomotivas no ramal de Nova Era, onde dividiam o trabalho com as Santa Fé e as Mallet 2-8-8-4 numa das mais “pesadas” linhas da Central na bitola métrica, onde a forte rampa reduzia a capacidade das locomotivas. O pouco que se sabe diz respeito a acidentes registrados na imprensa e nos Boletins da Central. Da mesma forma, pouco se sabe da experiência delas na Vitória a Minas, o que também não foi mencionado no livro “A Estrada de Ferro Vitória a Minas e suas Locomotivas desde 1904”, de J.B. Setti e Eduardo Coelho. Sabemos apenas que fizeram trens naquela ferrovia, o que é óbvio de se supor, uma vez que a Central e a Vitória a Minas de encontravam em Nova Era. Tenho, também, informações de que a 1655 chegou a fazer trens até Conselheiro Lafaiete.
A desativação destas locomotivas na Central se deu em 1958, quando foram enviadas para a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, de onde seguiram, em 1960, para a Estrada de Ferro Dona Teresa Cristina, onde operaram até meados da década de 80, quando foram definitivamente encostadas depois da explosão da caldeira da 312 (na verdade, a primeira explosão ocorreu com a 304, alguns anos antes, obrigando a uma parada total da frota para inspeção e reparos).
A RFFSA tentou fabricar estas locomotivas no Brasil, enviando em 1983 a 313 para a USIMEC (Usiminas Mecânica), em Ipatinga, MG para ser desmontada para confecção de moldes para fabricação de suas peças. O projeto não foi seguiu adiante e disso resultou que a locomotiva acabou sendo esquecida e, desta forma, preservada, sendo a
única Texas que restou em Minas Gerais.

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